Acerca de mim

Gosto de partilhar os meus conhecimentos com as pessoas, gosto de ter amigos, gosto de estar bem disposta, gosto de estar com a minha família, gosto muito da minha filha Rita

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O TOURO AZUL

Era uma vez  um rei e uma rainha, os quais tinham cada um, uma filha. Como ambos eram viúvos, resolveram casar-se, e assim fizeram.
A filha do rei era muito formosa, muito bonita e boa para toda a gente do reino. Ao contrário, a filha da madrasta era muito feia, muito desajeitada e muito malcriada para com toda a gente do palácio. Ninguém gostava  dela. Entregava-se o rei muito ao exercício da caça, e enquanto por lá andava, era a sua filha que o representava, sendo por isso o ídolo dos habitantes do reino.
A madrasta ardia de ciúmes por esta preferência e jurou por sua alma vingar-se da filha do marido. Nesse intento, numa ocasião em que o marido teve de se ausentar , ordenou a madrasta à enteada que fosse guardar um touro azul, que o pai desta comprara e que era muito bravo.
A boa menina, toda transida de medo, cumpria as ordens da madrasta, recebendo desta uma pequena merenda para comer todo o dia. Contra a sua expectativa o touro não só não a maltratou, mas até a olhava serenamente. No dia seguinte, voltou a menina, e quando se dirigiu para o touro, este ajoelhou-se diante dela e disse-lhe:
-“ Tira o guardanapo , que tenho por detrás da orelha, e estende-o no chão que logo te aparecerá comida e bebida consoante a tua condição.”
A princesa fez o que o touro lhe ordenou, e logo viu na sua presença os melhores manjares. Satisfeito o apetite, tornou a colocar o guardanapo  atrás da orelha do touro, que em seguida, se retirou, cortejando-a. E assim, se passaram alguns dias. A rainha admirada  que o touro não atentasse contra a enteada e de que esta parecesse viver satisfeita, ordenou a um pagem que espreitasse a enteada. Em breve, este se certificou de toda a verdade e a comunicou à rainha.
Entretanto, voltou o rei da caça, e a rainha fingiu-se doente, de cama. Ficou o rei muito aflito e mandou chamar os médicos, que declararam achar-se a rainha muito enferma. A rainha fingiu grande fastio, mas como instassem com ela para que comesse, resolveu pedir um caldo da carne do touro azul.
Ficou a filha do rei muito magoada com aquela exigência, e antes que o pai mandasse matar o touro azul, foi ela preveni-lo.
Pela calada da noite, dirigiu-se à tapada onde logo viu o touro azul.
-“Já sei a que vens aqui: a rainha quer matar-me. Vem comigo, senão ela dá cabo de ti.” – disse o touro azul
E ambos fugiram. Depois de terem andado toda a noite e todo o dia seguinte, disse o touro:
- “Agora vamos entrar nesse jardim, onde há muitas flores de cobre. È guardado por um gigante com quem brigarei, e como ele é muito forte, talvez me mate. Tu repara se cai alguma flor.”
Apesar das súplicas da princesa, o touro encaminhou-se para o jardim. Logo aos primeiros passos viu a menina cair uma flor.
-“ Guarda-a no teu avental:” – disse-lhe o touro.
E a princesa assim fez. Quase ao mesmo tempo, apareceu o gigante e começou a lutar com o touro. Este ficou vencedor, mas muito ferido.
-“ Tira um frasquinho, que o gigante aí morto tem à cintura, e deita-me sobre as feridas o óleo nele contido.”- disse o touro
A menina cumpriu a ordem, e o touro ficou completamente sarado.
Mais adiante, chegaram a outro jardim em que as pétalas das flores eram de prata. Nele também havia um gigante, que foi morto pelo touro, sendo as feridas que ele recebera, curadas com o licor contido no frasquinho que pendia da cinta do gigante. Aqui, também caiu uma pétala de prata que a menina recolheu no seu avental..
Mais adiante, apareceu outro jardim em que as pétalas eram de ouro. De guarda estava um formidável gigante que trazia à cinta um frasco e uma faca de mato. Lutou o gigante com o touro e este matou o gigante.
 Então disse o touro à princesa: -“ Deita-me nas feridas o líquido do frasco e guarda a faca de mato.”
A menina assim fez. Mais adiante pararam, e disse-lhe o touro: - “ Que vês acolá?”
-“ Vejo uma ribeira e lá no cimo do monte uma casa” – respondeu a menina
 O touro azul disse-lhe: - “A casa que vês é um palácio; aí vive uma rainha com o seu filho. Agora farás o seguinte: com a faca que trazes tira-me a pele, guarda nela as três pétalas que apanhaste, e vai meter tudo debaixo daquela lage  ali ( aponta-lha), a qual às três pancadas, se levantará. Depois suja-te na ribeira  e vai-te oferecer como criada àquele palácio. Quando ouvires dizer que há aqui perto alguma festa, faze-te parva e pede que te deixem lá ir. Debaixo da lage encontrarás o que desejares para te vestires.”
Bem contra a sua vontade, a menina fez o que o touro lhe ordenou. Foi enfim a princesa suja e com os cabelo em desalinho, oferecer-se por criada ao palácio, dando-se o nome de Maria.
Foi recebida por criada. Daí a dias, pediu o príncipe um pente. Foi a criada levar-lho. Ele atirou fora o pente dizendo:
-“Já não tinham por quem mandar o pente, senão pela Maria Suja!...”
Passado tempo, realizou-se naqueles arredores uma festa. À custa de muitos pedidos, deixaram ir a criada à festa. A criada dirigiu-se à lage e logo, diante dela, surgiu uma carruagem de cobre e juntamente uma vestimenta completa do mesmo metal. Maria dirigiu-se na carruagem às festas, onde deu nas vistas de todos, sem excepção do príncipe, seu amo, que lhe perguntou de onde era.
-“ Da terra dos pentes!” – respondeu-lhe a Maria
De outra vez, mandaram pela mesma criada ao príncipe uma toalha que ele pedira para se limpar. O príncipe recusou a toalha dizendo:
-“ Não quero toalhas da Maria Suja!”
Daí a poucos dias, houve outras festas às quais a criada Maria, seguindo os processos indicados, se apresentou em carruagem de prata e vestida do mesmo metal.
- “ De onde é? – perguntou o príncipe
-“ Da terra das toalhas.” – respondeu a Maria
Numa outra ocasião, o príncipe pediu um copo e foi a Maria levar-lho. Este , muito enojado por ver que quem lhe trazia o copo era a Maria Suja, disse que não o queria.
Dias depois, houve outra festa a que Maria assistiu vestida de ouro, em carruagem do mesmo metal e toda coberta de jóias de grande valor.
O príncipe, com os seus ares mais namorados e respeitosos, perguntou-lhe de onde era.
“Sou da Terra dos copos “– respondeu a Maria e começou a fugir da festa
 Desta vez o príncipe não ficou calado nem pasmado. Correu atrás dela e conseguiu apanhar-lhe o sapato que ela tinha deixado cair, levou-o para o palácio, como uma relíquia preciosa.
Convocou todas as princesas daqueles arredores, resolvendo casar com aquela a quem o sapato servisse. Entre as diversas princesas apareceu a filha da madrasta de Maria Suja . Ela calçou o sapato e disse que lhe ficava bem, embora a magoasse a ponto de lhe rasgar a pele do pé, deixando-o todo ensanguentado.
Como o sapato lhe servia, foi logo ali marcado o casamento. Sucedeu porém, haver no palácio uma pega, que foi a razão de se descobrir o engano. Com efeito, quando os dois noivos estavam já dentro da igreja, entrou a pega na igreja dizendo: “ – Olha como ela vai toda inchada com o sapato que pertence à Maria Suja!”
Parou imediatamente a cerimónia e o príncipe tratou de se certificar se o que a pega dissera,  era verdade. Todos verificaram que o sapato não servia àquela princesa, que agora o calçava. Chamaram a Maria Suja  e verificaram que ela o calçava muito bem, pois era dela o sapato. Em visto de tudo isto, o príncipe casou com a Maria Suja, pois que o príncipe era nem mais nem menos que o touro azul.
FIM

Revista A Tradição Setembro 1901(texto adaptado)