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domingo, 25 de maio de 2014

A MENINA DOS FÓSFOROS


Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano. No meio do frio e da escuridão uma pobre menina, de pés descalços e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas.

Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para os seus pequenos pés, eram os antigos chinelos de sua mãe.
A menina perdera-os quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa.
Um dos chinelos nunca mais o encontrou, e um menino apoderara-se do outro e fugira a correr. Depois disso a menina caminhou de pés nus - já vermelhos e roxos de frio. 
No bolso do velho avental trazia alguns fósforos, e um molhinho deles na mão. Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel.
Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria! Os flocos de neve  cobriam-lhe os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso.
Luzes brilhavam em todas as janelas, e  um delicioso cheiro de ganso assado enchia o ar, pois era véspera de Ano-Novo.
Sim: nisso ela pensava!
Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menina ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior.
Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão.
O pai naturalmente espancá-la-ia e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, excepto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos.
Suas mãozinhas estavam duras de frio.
Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz!
Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se. Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha...
Que luz maravilhosa!
Com aquela chama acesa a menina imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre. Como o fogo ardia! Como era confortável!
Mas a pequenina chama  apagou-se, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado.
Riscou um segundo fósforo. Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela tornou-se transparente como um véu de gaze, e a menina pôde ver a sala do outro lado. Na mesa estendia-se uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O perú assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o perú saltar da travessa e sair bamboleando-se na sua direcção, com a faca e o garfo espetados no peito! Então o fósforo  apagou-se, deixando à sua frente apenas a parede áspera, húmida e fria.
Acendeu outro fósforo, e a menina  viu-se sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico comerciante. Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menina estendeu a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. 
As luzes do Natal subiam mais altas. Ela via-as como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo.
"Alguém está a morrer", pensou a menina, pois sua avozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta,  dissera-lhe que quando uma estrela cai, uma alma subia para Deus.
Ela riscou outro fósforo na parede; ele  acendeu-se e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna.
- Avó! - exclamou a criança. - Oh! leva-me contigo! Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar! Dissipar-te-ás, como as quentes chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal!
E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da sua vista a sua querida avó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. 
A  sua avó nunca lhe parecera tão grande e tão bela. Pegou a menina nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações - subindo para Deus.
Mas na esquina das duas casas, encostada na parede, ficou sentada a pobre menina de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.
O sol do novo ano levantou-se .
A criança ali ficou, paralisada, junto a um feixe inteiro de fósforos queimados.
- Queria aquecer-se - diziam os que passavam.
Porém, ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que sentira naquela noite de Ano­ Novo.
Hans Christian Andersen

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