Acerca de mim

Gosto de partilhar os meus conhecimentos com as pessoas, gosto de ter amigos, gosto de estar bem disposta, gosto de estar com a minha família, gosto muito da minha filha Rita

terça-feira, 11 de março de 2014

A RAPARIGA DAS CEBOLAS

Era uma vez uma rapariga que se chamava Margarida.
Margarida tinha sido mandada à feira pela madrasta para vender um cesto de cebolas e três dúzias de ovos. Saiu de casa com o cesto à cabeça ainda o sol não tinha nascido. Por várias vezes, ao longo do caminho, os chinelos escorregaram nas pedras molhadas pela geada da noite. Salvou-a da queda o bom equilíbrio que sempre teve. Se Margarida deixasse cair o cesto, quando chegasse a casa a madrasta dava-lhe uma sova.  Além disso, os fregueses não queriam comprar cebolas esborrachadas, nem ovos partidos e ela tinha de entregar à madrasta o dinheiro certinho.
Andou, andou e quando chegou à feira já o sol ia alto. Quanto mais cedo se chegasse à feira, melhor negócio se fazia. Os preços começavam a baixar para o fim da manhã e os feirantes acabavam por vender os últimos produtos a menos de metade do preço, para não terem de regressar a casa com eles.
Passou ao lado da tenda do vendedor de caldeirões e corou quando o viu a falar com uma mulher que apontava para um caldeirão. Ele era tão bonito, que a rapariga gostava de passar ali só para o ver. O jovem vendedor nem para ela olhava.
Margarida pensava: “Como poderia ele olhar para uma rapariga tão feia e tão miseravelmente vestida?”  Mas ela não se importava que ele não olhasse para ela. A lembrança dele nos dias duros de trabalho e nas noites frias aquecia-lhe o peito e isso bastava-lhe.
Poisou o cesto – ninguém ali à volta se oferecera para a ajudar a descê-lo da cabeça, nem mesmo as conhecidas de outros dias de feira que ao lado apregoavam os produtos – e sentiu-se muito cansada.
No dia anterior, a madrasta tinha-a mandado retirar o estrume do curral, trabalho que lhe ocupou grande parte do dia. Já na cozinha, quando tinha mais vontade de comer e ir para a cama do que fazer o que quer que fosse, a madrasta ainda a obrigou a fazer a ceia e a preparar o cesto para a feira. Enquanto picava uma cebola para o refogado, chorou e o pai, que acabava de chegar do campo perguntou-lhe:
– Por que choras, minha filha?
E ela disse-lhe que era por causa da cebola.
O pai acreditou e sentou-se junto à lareira a tirar as botas antes de pôr os pés junto do lume. A madrasta, ao lado, cosia uma blusa e ali estiveram a fazer sala à espera que Margarida acabasse o jantar, enquanto os dois miúdos, seus meio-irmãos, por ali andavam a arranhar-se com gritos e correrias.
Era já muito tarde quando Margarida se foi deitar no quarto das traseiras, depois de ter lavado a loiça, passado a ferro o avental, a saia e a blusa que no dia seguinte vestiria para ir à feira.
Apesar de vestir roupa lavada e passada, aos olhos dos fregueses, não parecia mais do que uma mendiga, tão remendada estava a saia, tão gasto o avental e tão puída a blusa.
Apesar de todas as desgraças, naquele dia, o negócio corria-lhe bem e no final da manhã tinha vendido quase todos os ovos e boa parte das cebolas. Estava com tanta fome que se atreveu a pegar numa cebola, das mais pequenas. Tirou-lhe as várias camadas de casca e começou a comê-la com um pedacinho de pão duro que guardara no bolso do avental. Estava ela com a boca cheia, sentindo a acidez da cebola a picar-lhe a língua, quando se aproximou a mulher que ela tinha visto a conversar com o jovem vendedor. Trazia um caldeirão na mão, parou junto ao cesto e perguntou-lhe pelo preço das cebolas. A rapariga disse-lhe que, como eram as últimas, lhas dava por dez escudos. A mulher apalpou uma e disse:
Não me parece que durem todo o Inverno. Têm a casca mole!...
Piscou o olho direito e acrescentou:
Se mas deres por metade do preço, por cinco escudos, talvez as leve.
Não posso, tiazinha – respondeu a rapariga. – A minha madrasta recomendou-me que não descesse o preço mais do que o justo. Se não lhe entregar o dinheiro certo, ela castiga-me.
– E como sabe ela qual é o dinheiro certo antes da  feira acabar?
– perguntou a velha piscando desta vez o olho esquerdo. – É por acaso bruxa?
A rapariga não sabia dizer. As bruxas são más, toda a gente sabe, e se assim fosse, a madrasta era uma bruxa. Mas a rapariga também sabia que as bruxas eram feias. E então a madrasta já não podia ser bruxa. Foi por ser nova e bonita que o pai, quando ficou viúvo, casou com ela. Mas não sabia explicar como a madrasta sabia qual o dinheiro que Margarida lhe deveria entregar.
A mulher disse:  – “Talvez ela não saiba, mas diz que sabe para tu ficares com medo e não te deixares enganar pelos clientes ou não gastares o dinheiro mal gasto.”
E a mulher pôs-se a pensar: “As cebolas valiam o dinheiro que a rapariga pedia. Mas ela não tinha dinheiro suficiente!”. Foi então que lhe surgiu uma ideia:
– “Dás-me as cebolas pelo meu preço e não precisarás mais de te preocupar com a tua madrasta, que deve ser uma mulher bem mais malvada do que eu.!”
A rapariga não percebeu bem a conversa da mulher do caldeirão. Mas porque lhe pareceu que a mulher estava confusa da cabeça, deu-lhe as cebolas ao preço que ela estava disposta a pagar. A mulher meteu as cebolas dentro do caldeirão e foi-se embora muito satisfeita, depois de ter dito como despedida:

Eu te fado bem fadada
Para que sejas bem casada.

A rapariga guardou as moedas no bolso do avental, acabou de comer a cebola e o pão, ajeitou o cesto na cabeça, agora bem mais leve e preparou-se para abandonar a feira. Passou na tenda do vendedor dos caldeirões e, como sempre fazia, olhou para lá de relance. Estava estranhamente abandonada, com os caldeirões brilhando ao sol sem ninguém que os guardasse. A rapariga aproximou-se, poisou o cesto e pôs-se a observar a tenda. Ali perto havia um charco e ela ouviu um sapo a cantar. Junto à água estava um enorme sapo, tão grande como ela nunca vira. A maneira como o bicho cantava parecia dizer: Beija-me, beija-me, mas dito pelo nariz.
 Ela pôs-lhe a mão em cima e sentiu-lhe a pele viscosa. Se fosse outra, sentiria nojo e fugiria dali a cuspir. Mas a rapariga estava habituada a coisas bem mais nojentas que a madrasta a obrigava a fazer.
Estás aqui sozinho? Coitadinho! – disse ela.
E o sapo cantava: Beija-me, beija-me.
 Ela pegou nele com as duas mãos, como se pegasse numa    flor, passou-lhe os lábios pela cabecita sem pescoço e, sem   que ela percebesse como, viu-se ao colo do jovem vendedor   de caldeirões. Ele sorriu e retribuiu-lhe o beijo. Depois disse:

És a rapariga mais bela deste país. E porque me salvaste,    farei de ti a rainha dos caldeirões.

Casaram e viveram felizes para sempre.

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